domingo, 18 de setembro de 2011

Tradições, rituais e o luto.

O mundo sempre em constante mudança, está virado do avesso em relação às tradições e rituais relacionadas com a morte.
Pretenço a uma família em que sempre se encarou a morte de frente e onde as tradições estão enraízadas. Os meus ascendentes foram sepultados em jazigos/campas de família e sempre se usou luto.
Como pessoa de mente aberta, que sou, admito que os outros tenham uma maneira diferente de encarar a situação. Não me oponho a cremação, aceito-a e até a compreendo.
Acho perfeitamente normal, que as pessoas não usem luto quando lhes morre algum familiar, mesmo que muito próximo.
O que me custa a aceitar, são as criticas, dessas mesmas pessoas, sobre aqueles que continuam a seguir as tradições.
Se sepultamos os nossos mortos, acham errado, pois no ver deles deveriam ser cremados, porque cuidar de campas é uma fantochada. Não sabem separar as águas. Há quem o faça realmente por pura exibição e quem o faça por respeito. Para mim colocar flores numa campa é o mesmo que colocá-las num monumento em honra dos que partiram.
Antigamente criticava-se quem não usava luto, agora critica-se quem o usa. Perguntam-me, quase todos os dias porque não me visto com outra cor e deixo de usar preto. É caricato que essas mesmas pessoas admitam o uso do preto nos jovens góticos, na moda e não o entendam no luto. Pelos vistos, a sociedade aceita quem o usa por moda ou para se inserir num grupo, mas num luto não o entende. Não o uso por tradição, uso-o porque essa é a cor que reflete o meu estado de alma e para além disso, torna mais fácil a escolha do vestuário nesta altura em que não tenho paciência para a essas futilidades.
Haja paciência.

sábado, 17 de setembro de 2011

A solidão torna-nos pessoas chatas.

Tenho lido e ouvido dizer que o melhor para nos aliviar o sofrimento da solidão e passarmos o que sentimos para o papel.  Escrever,  dizem é a melhor forma para desabafar.

Tenho que tentar ouça constantemente  a mesma queixa da parte de todos os que me rodeiam: estou chata.  Bem , a minha filha sempre disse que eu sou chata. O pior, é que não é a única a afirmá-lo.  Analisando friamente as coisas, estou efectivamente chata. Como passo imenso tempo sozinha e estava habituada a ter um companheiro e amigo para conversar, desabafo com quem está perto: os meus filhos, o meu genro, a minha nora e as minhas amigas. Quando os apanho pessoalmente ou ao telefone, vá de falar até mais não. Coitados, estão fartos de mim. Só o meu genro e a minha nora ainda não disseram nada, por educação claro, mas noto no olhar deles que estão também cansados de tanto palavreado.

Já pensei em procurar na internet um grupo de viúvas, mas se calhar não existe.

Todos os dias, faço um enorme esforço para ir trabalhar e continuar a vida do mesmo jeito. Agarro-me a tudo e todos, para continuar a ter objectivos e não desistir. Não há dia que não chore desde que me levanto até que saio para trabalhar. A minha filha, quando era solteira e vivia connosco, dizia-me que não percebia como é que alguém se conseguia levantar tão bem disposta. Era assim que eu me levantava todos os dias. Alegre, bem disposta e pronta para seguir em frente. Hoje, sozinha entre quatro paredes, as primeiras horas do dia são as mais tristes para mim.

Tomei uma decisão. Vou tentar falar o mínimo com todos eles e passar a escrever o que me vai na alma. Deus queira que resulte.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Os enigmas da mente

Volvido quase um ano, continuo sem conseguir afastar do meu pensamento, o período em que o meu marido esteve doente, particularmente os dois últimos meses. Dou por mim a pensar, em factos que aconteceram e aos quais não dei a devida atenção, por puro desconhecimento. Voltando alguns anos atrás, descobri agora que, quando ele afirmava que já tinha visto um filme recentemente estreado, era um sintoma da doença. O chamado déja-vu. Noutras ocasiões, via um filme a que já tinha assistido como se fosse a primeira vez.
Ainda hoje, me veio à memória um gesto que ele teve para com a nossa neta mais nova. Tinha ela pouco mais de um mês de vida quando ele abriu uma caixa de amêndoas e ofereceu-lhe uma. Na mesma sala estavam os outros nossos netos e os nossos filhos e ele só lhe ofereceu a ela. Será que com esse gesto, ele quis demonstrar o quanto gostava dela e que sabia quem ela era!? Penso que foi também nesse dia que me disse:
- Acho que ela já nos fixa, quando estamos perto dela.
Esta pequena frase, foi para mim um oásis no meio do deserto. Estava completamente apático, ao ponto de nunca mais ter chamado o meu nome, após a operação. Por incrível que pareça foi uma das coisas que mais falta me fez. Ao fim de 35 anos de casamento, depois de ouvirmos, pela enésima vez chamarem-nos pelo nome, a ausência desse chamamento corta-nos o coração. Sentia que ele já tinha partido, mesmo que ainda ali estivesse.
O que será que ele entendia? Será que sabia o quão grave era o seu estado?
Deixou de engolir os comprimidos, mas quando questionado acerca da razão daquela atitude, respondia que não sabia por não os engolia. Penso hoje, que não queria prolongar o seu sofrimento, mas não conseguia explicar o que lhe ia na alma. Quanta dor.....

domingo, 24 de abril de 2011

Pós operatório

Duas razões me levam hoje a escrever estas linhas sobre as alterações comportamentais do meu marido. Por um lado, ao passar para o "papel" aquilo porque passei, ajuda-me a atenuar a dor da perda que ainda me acompanha (já lá vão 6 meses). Por outro lado, poderei ajudar alguém que procure ajuda na internet acerca deste tema.
A cirurgia ao cérebro, foi realizada em Julho de 2010. Teve alta, três dias após a mesma. Foi o dia em que o pai dele foi a enterrar. Voltou para casa muito combalido, com imensas dores na cabeça e também no pescoço. Passava todo o tempo deitado, mas quase não dormia. Durante a noite também não conseguia dormir e tinha "visões". Via o filho deitado na cama quando ele nem sequer morava connosco.
Uma noite acordou-me. Tinha estado deitado na sala. Apercebi-me disso pois a luz ainda estava acesa. Disse-me:
- Levanta-te por favor e vai tu para o sofá para eu me poder deitar.
Respondi:
- Não te podes deitar ao pé de mim porquê?
- Não caibo. Está aí o Carlos - respondeu-me.
Para acabar com as dores tomava Ben-u-ron e Tramal. Embora abrandassem, o efeito não durava sequer 4 horas.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Sem acompanhamento

Nunca tive um diário e confesso sempre duvidei dos beneficios de desabafar para páginas em branco. A minha opinião acerca deste método de relaxamento, que é disso que efectivamente se trata, alterou-se face à necessidade de transpor para palavras a dor vivida neste tempo de solidão. Escolhi este nome para o blog em homenagem ao meu marido, que "adorava" ouvir esta canção interpretava por Bobby Solo.
Comecei por escrever acerca das alterações sofridas no comportamento dele, após a terceira cirurgia ao cérebro. Nunca imaginei que a sua mente ficasse tão alterada como de facto aconteceu. Nas duas primeiras cirurgias as alterações de comportamento, existiram, mas não deixou de ser ele. Nesta última descambou. Senti desde o primeiro instante que estava diferente, mas não fui alertada para essa possibilidade e nem sequer orientada afim de saber agir da melhor forma perante as adversidades que surgiram. Essa é a falha que tenho a apontar ao hospital , onde foi assistido desde que lhe diagnosticaram um glioma cerebral em 2003, áté ao seu falecimento em 2010, dois meses após a remoção de um gliossarcoma. A falta de folhetos, por ex., onde se dêem informações básicas da melhor forma de se tratarem estes doentes, é um dos pontos fracos dos serviços oncológicos. Não somos devidamente esclarecidos acerca dos perigos a que estão sujeitos. Deveria existir mais acompanhamento às familias dos doentes. Erramos muitas vezes por falta de orientação. Não sabemos o que sentem estes doentes, o que lhes vai na alma e até que ponto entendem o mundo que os rodeia. As palavras certas para que nos entendam é por exemplo um ponto chave nesta relação doente-família.